Olá!
Estou atrasada, eu sei. Mas não é fácil escrever tudo isso, sabe? Eu sei que exagero, mas eu gosto assim e acho que vocês também =)
O passeio de ontem foi cinco estrelas, pois estamos falando de uma das maiores e mais históricas atrações de Dublin. Sim senhores, com vocês, a Trinity College! Já havíamos passado por lá para fazer a carteirinha de estudante, mas naquele esquema de olhar sem realmente ver. Posso dizer então que a surpresa aconteceu do mesmo jeito, como se fosse a primeira vez =)
Entrada principal
Estamos falando da universidade mais antiga e com o melhor nível de ensino da Irlanda, da 65ᵃ melhor universidade do mundo e 21ᵃ melhor universidade da Europa. Também, ninguém menos que Bram Stoker (sim, o do Drácula mesmo – que é irlandês, aliás), Oscar Wilde (s2), Samuel Becket (ganhador do Nobel de literatura) e diversos políticos estudaram por lá.
Pátio central
A universidade foi fundada em 1592 pela rainha Elizabeth I (filha do Henrique VIII, que já comentei por aqui), no local de um mosteiro agostiniano. No começo, ocupava apenas um pequeno espaço mas, como o passar do tempo, parceiros foram surgindo, os cursos foram sendo formatados, os livros para a biblioteca foram sendo adquiridos e sua fama foi surgindo.
Campanário
No começo, apenas os alunos de famílias protestantes eram aceitos. Mas, a partir de 1873, os católicos também passaram a frequentar a universidade. Mas, até então, só os homens podiam estudar lá, vê se pode? Foi somente em 1904 que as mulheres começaram a ser aceitas.
Estátuas de homens importantes para a universidade
Hoje em dia, a universidade conta com três faculdades principais: 1) Faculdade de Artes, Humanidades e Ciências Sociais; 2) Faculdade de Engenharia, Matemática e Ciências; 3) Faculdade de Ciências da Saúde. Dentro delas, estão divididos os inúmeros cursos de graduação e pós-graduação. Imagina, ter um diploma da Trinity? #Morri
O campus é MARAVILHOSO! Além de prédios grandes, históricos, de belíssima arquitetura e jardins impecáveis, o ambiente é calmo, alegre, cheio de pessoas (estudantes, professores, turistas, grupo de crianças em excursão) passeando, almoçando nos jardins, conversando, fotografando e até fazendo acrobacias.
=D
Infelizmente, quase todos os prédios são fechados para visitação ao público, pois poderia atrapalhar o funcionamento da universidade. Então fica a vontade de conhecer o que está lá dentro e se imaginar ali um dia, lendo o Retrato de Dorian Gray e se emocionando ao pensar que o cara que escreveu o livro que você tanto gosta estudou ali.
Mas eu disse quase todos, certo? Sim, tem um muito especial é aberto ao público. E, eu não sei o que tem nos outros, mas acho difícil que eles sejam mais valiosos do que esse que eu visitei. Estou falando da Old Library! Como o próprio nome diz, é uma biblioteca antiga. Quem me conhece, sabe que eu sou fascinada por bibliotecas e por coisas antigas. Ok, eu já estaria satisfeita só com isso. Mas essa não é uma biblioteca normal, ah não. Uma de suas salas armazena o Book of Kells (manuscrito medieval) e sua sala principal, o Long Room, é uma das coisas mais fascinantes que já vi na vida.
A exposição começa com a sala do Book of Kells. Ele é um manuscrito medieval, feito por monges (4 escribas e 3 artistas, ou seja, feito a 7 mãos!) por volta do ano 800, riquíssimo em iluminuras, escrito em latim e que contém os quatro evangelhos do Novo Testamento, sobre a vida de Cristo. Ele não foi feito para ser usado em leituras do dia a dia, apenas em cerimônias e ocasiões muito especiais. Em toda a sua cronologia, ele foi começado, terminado, roubado, recuperado, ficou desaparecido, foi encontrado e, finalmente, foi devidamente armazenado. Em virtude da sua grande beleza artística e da excelente técnica de seu acabamento, ele é considerado um dos mais importantes vestígios da arte religiosa medieval. Olha só que tesouro? *____*
A página mais elaborada do livro, parte do evangelho de St. Matthew
A exposição segue essa lógica: 1) contextualização da época (primeiros contatos daquele povo pagão que aqui vivia com o Cristianismo); 2) como era o trabalho dos monges (as missões que precisavam fazer, as cerimônias, em qualquer hora do dia e da noite); 3) manuscritos similares (Book of Mulling, Book of Oimma – este último com uma perfeição que eu não consigo entender); 4) do que eles eram feitos (de pele de bezerro , que era imersa em excremento e depois raspada com uma faca para retirar os pelos e, depois de seca, era dividida em duas páginas ou do latim bifolia); 5) com o que eles escreviam (penas de ganso ou cisne, gigantescas, além de compassos para ajudar nos desenhos); 6) do que eram feitas as tintas (pedras, plantas, cascas de árvores); 7) como os monges escreviam e desenhavam (os monges escribas escreviam, os monges aristas desenhavam); 8) como era o acabamento (com madeira, pele de bezerro, linhas grossas); 9) como eles faziam como erravam (se a página estivesse errada, desenhavam cruzes nela e, se errassem apenas uma palavra ou outra no texto, faziam um símbolo indicando que era um erro). E finalmente, em uma sala especial, temos o Book of Kells.
Lá, temos dois volumes do Book of Kells abertos (são quatro ao todo): um com o evangelho de St. Matthew (com o retrato dele em uma página – folio 28v e Liber generationis, palavras de abertura de seu evangelho em outra página – folio 29r) e outro com textos – Folios 145v-146r – ‘A prophet is not without honour, but in his own country’).
St. Matthew
Olha como as letras eram decoradas!
O tempo todo você se pergunta como esses caras conseguiam fazer isso, com tão poucos recursos. Cara, eles escreveram o livro a mão, que é enorme! Imagina quanto tempo levaram? E ainda decoraram tudo, com letras rebuscadas, iluminuras, cheias de significados. Nada está ali por acaso, tudo quer dizer alguma coisa. Sensacional.
Agora, para falar do Long Room, vou precisar descrever exatamente o que senti e pensei, para que vocês possam ter uma noção da grandiosidade do que estou falando.
E lá vai a Talita subindo a escadaria que dá acesso ao Long Room. No topo, ela vê uma placa dizendo que, excepcionalmente hoje, poderá ver de perto o trabalho de restauração dos livros antigos. Ela pensa: “Uau, sempre quis ver algo assim!”. E lá estão as moças, limpando os livros com pincéis e luvas roxas. Ela pensa: “Nossa, acho que eu ia tremer só de segurar um livro tão valioso assim… Caramba, que curso será que ela fez na faculdade? Será que estudou aqui? Poxa, deve ser tão legal. Acho que eu gostaria de trabalhar com isso. Será que estou na área errada? Será que…”. E Talita é chamada de volta à realidade por Aline, que sensatamente lembra que ainda temos muito o que ver, antes do espaço fechar. Ok.
Olhando para o lado, Talita vê os painéis de uma exposição temporária sobre a França de Louis XIV, feita com gravuras e ilustrações dos livros que estão expostos no Long Room. Ela pensa: “Hum, eu adoro a França e todos os Louis! Que legal, vou prestar bastante atenção. Será que foi o Louis XIV que fundou Versailles? Porque eu lembro que tinha uma estátua dele na entrada de Versailles… Vou pesquisar isso depois.”.
Enquanto pensa com seus botões e olha os painéis ao seu lado, Talita não percebe que entrou finalmente no Long Room. Só quando ela ouve os “ohhhh” das pessoas ao seu lado e sente um aroma doce, amadeirado, empoeirado, é que ela olha para a frente. Puta que pariu. Talita para e não consegue pensar em mais nada. Nada. Ela só olha para aquele ambiente enorme (mede 65 metros de ponta a ponta), com todos aqueles livros velhos (mais de 200 mil exemplares), todos aqueles bustos entre as prateleiras (grandes filósofos e escritores da humanidade – e o primeiro é logo o Shakespeare *____* – como se fossem os guardiões daqueles tesouros), inscrições em latim por todo o lado e aquele teto de madeira, completamente arqueado.
Foi exatamente isso que eu vi *_________*
E eu não cansava de olhar para a frente, para gravar todos os detalhes na minha memória. Eu poderia ficar muito tempo ali, só olhando para aquela cena… Mas tinha mais a ser visto por ali: uma das poucas cópias que sobreviveram dos cartazes da primeira tentativa de Proclamação de Independência da Irlanda, com um texto apaixonante e a harpa mais antiga já encontrada na Irlanda. Além de todas as gravuras de Louis XIV e Versailles, que quase me trazem lágrimas aos olhos, por ver o que eu eu tanto amei na França retratado assim, em um livro feito muuuuuuito antes do meu tempo.
Olha, essa foi uma das melhores experiências da minha vida. Como eu me senti bem ali. Me senti em casa, com tudo o que eu gosto me rodeando. E eu posso dizer que essa foi a primeira grande surpresa que Dublin me proporcionou, sem pressa, em um belo dia após a aula de inglês. Ah, Dublin…
P.S.: Me desculpem pela demora em postar. Eu pretendo fazer isso todos os dias mas, enquanto não tenho uma rotina muito definida, fica difícil. Mas, em muito breve, chegarei lá. A boa notícia é que fechamos o apartamento (o primeiro que visitamos, da Yujin). O outro que comentei era bom também, mas não deu certo, a pessoa desistiu de sair. Mudança programada para terça-feira que vem =)
P.S.: Momentos de desespero e angústias nesses últimos dias, quando estava difícil resolver a questão do apartamento e com tudo o que eu ouvi sobre como é difícil arrumar emprego por aqui. Mas sabe de uma coisa? Eu vou ver tudo cor de rosa, mesmo assim. Obrigada, Mamis da minha vida, pelo livro cor de rosa e por essas constatações =)
P.S.: As fotos internas deste post não são minhas, pois é proibido tirar fotos lá dentro. Obrigada, Google Images.