A bela Connemara

Neste domingo, como há muito não fazíamos, eu e a Aline saímos para passear. É engraçado, antes fazíamos quase tudo juntas, desde refeições à planejamentos dos finais de semana. Agora, cada uma tem a sua vida, a sua rotina e as suas horas insanas de trabalho, o que atrapalha qualquer possibilidade de lazer integrado. Mas, como ela logo irá embora, decidimos aproveitar o pouco tempo que resta para fazer um tour para um dos lugares que mais estávamos ansiosas para conhecer, desde que começamos a falar de Irlanda, a Kylemore Abbey, localizada na região de Connemara, no Oeste da Irlanda.

E foi uma aventura só! Como teríamos que atravessar o país, o tour saiu bem cedo, às 7h da manhã, o que significa que a Aline foi direto e virada do trabalho (ah, essa vida de trabalho em bares) e eu tive que andar por 20 minutos no breu das 6h da manhã até achar um táxi que me levasse para o centro (ah, essa vida de morar em bairro afastado).

Mas valeu a pena, porque pudemos dormir por 3 horas, até que o ônibus chegou a Galway (s2) e fomos transferidas para o ônibus do tour, já cheio de turistas espanhóis, americanos, holandeses com máquinas nos pescoços e caras de expectativa. Acho que eu estava mesmo era com cara de preguiça pois, por mais que eu adore conhecer esses lugares inóspitos e mágicos da Irlanda, acho esse tipo de tour muito cansativo (e esse já é o meu quinto! ¬¬).

E o motorista se apresenta, muito simpático. E, que bom, o microfone desse ônibus tem um áudio bom, dá para entender tudo o que ele fala. E ele sai contando sobre Connemara, que é a região localizada a oeste do Lough Corrib, o segundo maior da Irlanda e que desemboca no mar em Galway. Suas atrações são as paisagens sensacionais de montanhas na beira do lago, os bolsões de irlandeses que ainda se comunicam essencialmente em gaélico, as ovelhas de cara preta e as charmosas casinhas cobertas de sapê no telhado.

Parando a cada cenário merecedor, vemos o mar a se perder de vista no horizonte, vilas românticas com casinhas que parecem de bonecas, igrejas medievais, pubs (#óbvio), mini-cachoeiras, montanhas, ovelhas, cavalos e os famosos “muros da fome”, que possuem uma história trágica para não ser cômica.

Na época da fome, a principal fonte de renda e alimentação da população era o plantio de batatas. Como, em três anos seguidos, a safra foi prejudicada por uma praga, faltou trabalho para muita gente. Para não deixar os empregados sem fazer nada, os senhores de terra ordenavam a construção desses muros baixinhos de pedra empilhada (me diz, como as pedras não caem com o vento absurdo que bate por aqui? o.O), morro acima e abaixo, mas que não tinham propósito algum. Hoje eles são vistos como uma cicatriz na paisagem da Irlanda, para lembrar daquela época terrível, em que tantos irlandeses morreram de fome e outros tantos abandonaram o país em busca de uma vida melhor.

Lá para o meio do dia, chegamos ao highlight do tour, a magnífica, estonteante, mágica, inacreditável Kylemore Abbey! E eu já sabia que o lugar tinha algo de secreto e sagrado, pelas fotos que vi. Mas, ao passar pelo caminho que antecedeu à chegada ao destino, com aquelas estradas vazias, só com as montanhas de fundo, sem uma alma viva por perto, pude realmente ter noção de quão sagrado e secreto é, como se você tivesse que percorrer todo aquele caminho para ser digno de visitá-la.

A história do lugar é encantadora, assim como todo o resto. O prédio foi construído no período de 1867 a 1871, empregando mais de cem homens, com o objetivo de ser a residência privada da família do médico inglês Mitchell Henry, que se tornou um político influente na região de Galway. O prédio foi projetado para possuir 33 quatros, 4 banheiros, 4 salas de estar, sala de jogos, sala de bilhar, biblioteca, sala de estudos, sala para fumar, sala de armas, além de vários escritórios e dormitórios para o açougueiro, cozinheiro, camareira e outros empregados da família. Bem modesto, como podem notar.

E acontece que o tal do Mitchell Henry era casado e perdidamente apaixonado por sua esposa, Margaret Henry. Em uma viagem que fizeram pelo Egito, ela contraiu uma doença e morreu, em 1874. Em sua homenagem, ele construiu uma linda igreja gótica nos terrenos, baseada na estrutura da St. Paul’s Cathedral de Londres e um mausoléu, onde os restos mortais do apaixonado casal descansam.

Após a tragédia, Henry voltou para a Inglaterra e vendeu o prédio para a o duque e a duquesa de Manchester em 1903. Eles viveram por lá por alguns anos, até que as dívidas de jogo os forçaram a vender a propriedade. Em 1920, a comunidade das freiras irlandesas beneditinas comprou o prédio, que foi transformado em uma abadia e escola para meninas que desejavam se tornar freiras. Até hoje, muitas freiras residem por lá, motivo pelo qual boa parte do castelo é fechado para visitação do público.

O chato é que o tempo estava fechado e, bem na hora que chegamos por lá, começou a chover. Mas, como uma das coisas que você aprende aqui na Irlanda é tomar chuva sem se importar, continuamos no passeio, nos aventurando até o jardim também. Ele não é tão bonito assim quando o restante do terreno e, se eu soubesse disso, teria dedicado mais tempo ao prédio em si do que o jardim.

Faltando cinco minutos para o ônibus sair, corremos com uma sopa enfiada às pressas em um copo de papel e um merengue que quase derreteu na chuva. O que a gente não faz para aproveitar ao máximo o tempo de visitação dos lugares!

Na volta, tivemos mais duas paradas que eu, sinceramente, não vi. Chega das mesmas montanhas e lagos, né? Se eu pudesse escolher, teria ficado mais tempo na Kylemore Abbey e não nas 67475908 paradas no meio do caminho. Chegamos em Galway, demos uma voltinha e pegamos o ônibus para Dublin, chegando umas 21h30. Nos despedimos e cada uma tomou o seu ônibus para casa. Mas bem que eu queria que a gente pudesse ter ido juntas para a mesma casa, para cozinhar um strogonoff de frango com brigadeiro de sobremesa.

Até mais!